domingo, 12 de fevereiro de 2012

não era hora

Sentado na calçada, ele sorriu; e ela sabia que havia algo errado. Aquele sorriso de canto de boca que mostrava três ou quatro dentes, que fazia sua barba se mover e abaixava sua cabeça. Era tudo um ato só. O sorriso, a barba, a cabeça baixa e o sentimento cabisbaixo. Ela nada mais fez, encheu-lhe de abraços e beijos nas bochechas. Ele gargalhava com as cócegas que seus beijos faziam ao seu pescoço, e logo arrepiou-lhe os pêlos. "Pára com isso", ele mandava, tentando não rir. "Tô falando sério," e ria. "tô me contorcendo". Envolvia involuntariamente os braços pela cintura da pequena menina que, apesar de seu tamanho, parecia-lhe um tanto grande quanto a sua força. "Tá, tá, eu não tô bem", ele dizia, rindo. "Mas pára com isso!", ele exclamou. Ela mordeu sua jugular. "Ai, merda. Doeu." A menina sorriu como quem vencia uma guerra e bateu-lhe no braço. "Desembucha. Que tá havendo?". Ela perguntou mesmo que, por força de hábito, parecesse repetitiva. No fundo, ela sabia o que havia. Era o mesmo de sempre, as preocupações diárias com coisas que não lhe cabiam a solução. Ele respirava fundo e coçava os cabelos ruivos enquanto procurava palavras para respondê-la. "Eu...", e fracassava. Ela entendeu que não era hora de dizer. Era hora de esquecer. Porque assim é a vida. Há hora para dizer, hora para esquecer. E aquela era, é claro, hora de esquecer. "Quer uma cerveja?", ela disse. "Por favor", ele pareceu aliviado da amiga tê-lo entendido. E foram para um bar qualquer, desses de esquina. Sentaram-se nos bancos giratórios encostados no balcão e gargalharam a noite toda como se não houvesse nada para se preocupar. E realmente não havia. Enquanto estivessem juntos, com algumas cervejas, quem sabe um ou dois cigarros sendo queimados e sempre a certeza de que os problemas estariam sob controle, pelo menos até o fim do dia, não havia nada com o que se preocupar.

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