segunda-feira, 5 de março de 2012

e o tempo não te deu tempo

Você acordou hoje e decidiu pedir desculpas à sua namorada por tê-la deixado esperando na frente do restaurante pela segunda noite seguida só porque estava cansado demais pra desviar do caminho pra casa. Como compromissos, um almoço com o gerente de uma empresa que quer fechar negócio com a sua; uma ligação pra outro cliente no final da tarde, três pedidos grandes para apresentar à direção e, é claro, a pausa pro café das quatro com seu melhor amigo. Mas, antes disso, antes de dar tempo de ir almoçar, ali, encaixado entre a ligação  e o café, você morre. Simples assim, bate as botas. Deixa os compromissos do dia e do resto da semana. Acabaram-se as reuniões, o dinheiro, a fila do pão, o café, o troco em bala da mercearia, o celular apitando, o constrangimento. Ficou pra trás os compromissos da vida - ah! se você soubesse que morreria assim, de uma hora pra outra, não teria se esforçado tanto no primeiro período da faculdade pra decorar aquelas fórmulas de Logística. 
Mas o pior, o pior mesmo, não foi nem ter morrido. Foi não ter dado tempo. E não deu. Não deu tempo pra dizer pra sua namorada que você a amou desde o primeiro beijo. Não deu nem tempo de saber se tinha espaço permanente pra você na vida dela. Não deu tempo pra avisar pra sua mãe que você sente muito por todas as dores de cabeça que você causou. Não deu tempo de agradecer pro seu chefe por não ter te demitido depois das milhares de vezes que ele te flagrou no Facebook durante o expediente. Não deu tempo de conhecer todas as bandas de rock antigo do mundo, não deu tempo de conhecer todos os dezenove países e sessenta e três cidades que você sempre quis conhecer. Não deu tempo de cursar quatro faculdades diferentes, não deu tempo de ter três filhos, não deu tempo de ver seus netos. Não deu tempo de dizer que a sua geração era melhor, não deu tempo de dar tempo de assistir TeleCine Cult. Não deu tempo de comprar uma cadeira de balanço pra sua casa da praia, não deu tempo de buscar seu terno na lavanderia. Não deu tempo de casar. Não deu tempo de aprender a tocar banjo, não deu tempo pra assistir a maratona da sua série favorita na TV. Não deu tempo de transar todas as vezes que você esperava transar antes de morrer, não deu tempo de cumprir a lista de requisitos pra ter o emprego que você sempre sonhou. Não deu tempo de trocar de pantufas e não deu tempo de cantar no chuveiro. 
E a vida passou. Passou, você nasceu, começou uma história, a escreveu, tentou vivê-la e, no meio do caminho, entre uma palavra e outra, deixando muitas coisas para ainda serem escritas, a tinta da sua caneta acabou. Não teve quem pudesse te emprestar outra, nem alguém que pudesse te avisar a tempo para comprar uma nova. O tempo te avisou que estava no fim, mas, assim como fazia com todos, você não o ouviu.
A vida passou. Não te deu tempo pra fazer tudo o que você sempre quis, não te deixou cumprir suas promessas. Não te permitiu amar até que a morte os separasse. Você não percebeu, porque não teve tempo pra isso, mas a sua história acabou sem final.

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